terça-feira, 14 de maio de 2013

O Segredo De Joe Gould

Joe Gould, um "homenzinho alegre e macilento", era figura fácil nos bares mais ordinários do Village durante os anos 40 e 50. Gabava-se de ser o último dos boêmios e a maior autoridade dos EUA em privação: "Vivo de ar, auto-estima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e catchup". Sob tintas de ficção, Gould lembraria Pierre Menárd, célebre personagem de Borges, mas o notívago baixinho, com suas roupas invariavelmente grandes demais e seu ensebado portfólio repleto de rabiscos manuscritos, realmente existiu. E foi objeto de dois perfis produzidos pelo jornalista Joseph Mitchell para a revista New Yorker. Tais textos, publicados originalmente com um hiato de 22 anos, estão reunidos no livro "O segredo de Joe Gould", lançado pela editora Companhia das Letras como parte da coleção Jornalismo Literário.
Talvez somente um semanário do quilate da New Yorker pudesse bancar a demora que Mitchell em geral levava para apurar, redigir e burilar suas matérias. "O professor Gaivota" (1942), primeiro perfil de Gould, por exemplo, ficou pronto após meses e meses de conversas. A possibilidade de ouvir Joe por um longo período decerto foi fundamental para a excepcionalidade dos perfis. Colaborou para isto também a complexidade do personagem. Gould não chamaria a especial atenção de Mitchell caso fosse simplesmente mais um dos boêmios que vagavam pelas ruas da cidade. O "professor Gaivota" descendia de uma família de médicos, formara-se na Universidade de Harvard, estudara a eugenia dos índios americanos e trabalhara como jornalista. Cheio de si, malgrado a sujeira e a aparência desleixada, dormia em estações de metrô e albergues baratos. Para se proteger do frio rigoroso do inverno, valia-se de folhas de jornais entre as roupas. Mesmo nesses momentos exalava esnobismo: "Só uso o "Times".
A qualidade literária de Mitchell faz dele um dos mais importantes jornalistas americanos do século XX.


Foto: Filme O segredo de Joe Gould

Marcela Oliveira

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